É uma pergunta interessante, considerando que as nossas leis hoje punem duramente quem discrimina o consumidor na venda de produtos ou na prestação de serviços. Por exemplo, o o Código de Defesa do Consumidor define como prática abusiva simplesmente negar a prestação de serviços (art. 39, inciso IX). Também, a lei do racismo caracteriza como crime as negações de servir, atender ou receber cliente ou comprador, com uma pena de reclusão de até três anos. Com a equiparação da homofobia ao crime de racismo, o dispositivo penal se estende a práticas discriminatórias contra homossexuais.
Só que a ironia está justamente no fato de que essas leis geralmente valem mais em um sentido específico: quando a pessoa discriminada compõe um ou mais grupos socialmente protegidos (negros, homossexuais, mulheres). Quando praticada na forma reversa (por exemplo por meio das políticas de cotas para negros ou trans), é simplesmente uma atividade legítima do estado. Quando é uma clínica de estética que só aceita mulheres, é parte do jogo.
Por outro lado, vimos em abril deste ano o emblemático desenrolar do casal de evangélicos que, por seus princípios religiosos, se recusou a elaborar um convite de casamento para noivos homossexuais. Por isso, foram denunciados, processados (até hoje respondem a processo) e são continuamente perseguidos. Tentaram reconstruir a vida, trabalhar com outra coisa, mas são paulatinamente cancelados. Ainda que vocês não concordem com os valores religiosos deles, e ainda que não partilhem da crença de que as pessoas deveriam ter o direito de fazer negócios apenas com quem elas quiserem, pergunto: até quando eles devem ser punidos? Seria justo condenar o futuro deles à desgraça quando o casal homossexual poderia facilmente fazer convites em outra empresa?
Essas contradições, em vez de serem vistas como exemplos de que há algo fundamentalmente errado no sistema jurídico, são abraçadas como elementos essenciais de uma noção do que vem ser "fazer justiça".