Há 3 semanas fiz uma boa ação. Não posso explicar demais sem destruir seu valor, mas envolveu dinheiro - não exatamente dar, mas desviar legalmente para alguém necessitado. O essencial era o anonimato. Pedi à senhora responsável pelo arranjo que garantisse que ninguém soubesse que fui eu.
2 semanas e 5 dias depois, um dos beneficiados telefonou. Queria descobrir quem havia enviado aqueles reais inesperados para agradecer e celebrar a "bênção de Deus". Eu havia ensaiado: respondi friamente que não sabia de nada, que estavam "agradecendo ao santo errado" Por dentro, porém, a tentação era esmagadora. É quase impossível fazer uma boa ação e não querer que saibam que foi você - para receber gratidão, aprovação, para ser considerado uma "boa pessoa''
E então cometi o erro. Sem pensar, sugeri que, seja quem fosse o responsável, gostaria de saber para que o dinheiro seria usado - plano de saúde do bebê, dívidas, etc. Foi o suficiente para ele interpretar aquilo como uma confissão indireta. E, a partir daí, passou a detalhar emocionado como aplicariam o dinheiro, numa mistura de gratidão e algo quase hostil, difícil de definir.
Percebi tarde demais que minha tentativa de negar, enquanto demonstrava interesse pelo destino do dinheiro, só podia ser vista como falsa modéstia. Ficou parecendo que eu não apenas tinha feito a boa ação, mas era tão 'bom' que queria esconder isso. Pior: fiz tudo de um jeito tão indireto que nem eu percebi, até depois, o mecanismo manipulador que usei.
No fim, minha suposta generosidade se desfez inteiramente. Descobri em mim uma habilidade automática de enganar - aos outros e a mim mesmo. E aquilo que deveria me aproximar de ser uma pessoa realmente boa só me fez ver, com desconforto, o contrário: que minhas motivações eram menos virtudes e mais vaidade disfarçada, uma sombra que me afastava ainda mais de qualquer ideia sincera de bondade.