Eu me apaixonei por uma usuária cujo rosto jamais vi. E quanto mais pensava nisso,

mais percebia o peso absurdo dessa afirmação, como se eu tivesse cometido um crime contra a lógica, uma afronta contra aquilo que chamam de razão. Não conhecia seus olhos, não sabia se eram claros, escuros, cansados ou insones. Não sabia como era sua boca, se havia doçura nela ou se carregava aquele endurecimento típico de quem já perdeu mais do que deveria. Não sabia nem se sua pele tinha rugas ou se a juventude ainda se agarrva ao seu contorno. Nada. Absolutamente nada.

E mesmo assim eu a amava.

Mas aí vem a pergunta que se infiltra como um veneno lento: isso é amor… ou apenas uma projeção tão desesperada quanto a solidão que me acompanhava? Porque amar alguém sem saber como o mundo a moldou por fora - isso parece algum tipo de cegueira voluntária, uma perversão íntima onde o objeto do desejo é um vazio, uma silhueta, uma presença sem forma.

Às vezes penso que talvez eu tenha inventado tudo. Talvez o que eu amava fosse uma lacuna, um espaço em branco onde eu despejava tudo que gostaria que existisse no outro: compreensão, delicadeza, brutalidade no ponto exato, silêncio nos instantes certos, ruído quando o mundo precisa ser acordado. Talvez o que eu amava não fosse ela, mas a versão dela que meu desespero esculpiu.