Eu tinha uns 10 anos. Cheguei da escola morto de cansaço, almocei e despenquei na

cama. Quando meu pai chegou do trabalho mais cedo e entrou no quarto, não viu um filho dormindo, viu uma afronta. acordei com a mão dele estalando no meu rosto, como se meu sono fosse um crime. Perguntava por que eu não estava no piano, por que não estudava francês, por que eu me permitia fraquejar.

Tentei dizer que era só cansaço, só aquele dia. Ele não ouviu. Me sacudiu como quem tenta arrancar um defeito pela força. Eu chorava, e isso só o irritava mais. Depois vieram o cinto, o cabo de vassoura, os golpes que pareciam vir de algo maior do que ele, alguma fúria que precisava de um alvo pequeno, dócil, incapaz de revidar, talvez vinda do trabalho, ou do trânsito, sei lá.

No dia seguinte, ele apareceu com refrigerantes, como se isso fosse apagar tudo. Disse que a vida não perdoa gente fraca, que eu seria o triunfo dele, o "geninho" dele. Disse que trabalhou duro demais para permitir e me dar condições de não falhar.