
anônimo
14/02/2022 04h46
O fato é que as comidas se associam à sexualidade, de tal modo que o
atosexual pode ser traduzido como um ato do “comer”, abarcar, englobar, ingerir ou circunscrever
totalmente aquilo que é (ou foi) comido. A comida, como a mulher (ou o homem, em certas
situações), desaparece dentro do comedor – ou do comilão. Essa é a base da metáfora para o
sexo, indicando que o comido é totalmente abraçado pelo comedor. A relação sexual e o ato de
comer, portanto, aproximam-se num sentido tal que indica de que modo nós, brasileiros,
concebemos a sexualidade e a vemos, não como um encontro de opostos e iguais (o homem e a
mulher que seriam indivíduos donos de si mesmos), mas como um modo de resolver essa
igualdade pela absorção, simbolicamente consentida em termos sociais, de um pelo outro.
Assim, a relação sexual, na concepção brasileira, coloca a diferença e a radical heterogeneidade,
para logo em seguida hierarquiza-las no englobamento de um comedor e um comido. E não se
pode deixar de observar, para quem estiver lendo estas linhas um tanto desavisado, que o
englobador tanto pode ser um homem (esse seria o modelo ideal, a formulação tradicional) como
também uma mulher (se for ela quem atua buscando e querendo a relação, exercendo com isso
um papel ativo). Assim, pode-se dizer que, nas suas relações com as virgens e esposas – ou
mulheres que assim se definem socialmente –, os homens é que são os comedores, mas nas suas
relações com as mulheres do mundo e da vida – ou com aquelas que se definem como
independentes e individualizadamente –, eles são comidos. O resultado é algo que reproduz, em
outro nível e outro plano, a dialética da casa e da rua, deste mundo e do outro, da lei e da pessoa,
do malandro e do caxias, da ordem rígida e do “jeitinho” que tudo resolve.+