"Parece-me que, tendo ido fazer compras para o jantar, Mme. Magloire
ouvira qualquer coisa pela rua. Falava-se de um vagabundo perigoso; dizia-se que aparecera na cidade um andarilho muito suspeito, que devia estar ainda por lá e que, se não se recolhessem bem cedo às suas casas, arriscar-se-iam a ter encontros bem desagradáveis. Que, afinal, a polícia havia agido mal, já que o Prefeito e o Maire eram inimigos, fazendo tudo para prejudicar um ao outro, deixando que acontecessem certas coisas. Que, portanto, quem era esperto deveria agir em lugar da polícia e tomar cuidado, fechando-se em casa com toda a segurança, trancando bem a casa, se preciso, encostando móveis atrás das portas.
[...]
– É verdade?! – disse o Bispo.
Essa condescendência em a interrogar encorajou Mme. Magloire; parecialhe com isso que o Bispo já estava ficando apreensivo, e continuou, triunfante:
– É verdade, Excelência. Justamente como acabo de contar. Hoje vai
acontecer alguma desgraça nesta cidade. Todo mundo está falando. De mais a
mais, com a polícia que temos (repetição muito útil)! Viver numa região de
montanhas e não ter nem mesmo lampiões para iluminar as ruas! A gente sai, e tudo escuro como breu! Eu lhe digo, Excelência, e a senhorita que lá está,
também...
– Eu? – interrompeu a irmã –, eu não disse nada! O que o meu irmão fizer
está benfeito.
Mme. Magloire continuou como se ninguém houvesse protestado:
– Nós sempre dizemos que esta casa não tem segurança nenhuma; se Sua
Excelência permite, mando avisar Paulin Musebois, o serralheiro, para que
venha repor os trincos que estavam na porta; estão todos guardados. É um
instante. E digo mais: é preciso repor os trincos, Excelência, não só por esta noite. Onde já se viu porta que se abre pelo lado de fora, com uma simples taramela! Ainda por cima, Sua Excelência diz para todo mundo que pode entrar, mesmo durante a noite. Meu Deus! Para isso não é preciso pedir licença...
Nesse momento bateram com força à porta.
– Pode entrar – disse o Bispo."