anônimo
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20/10/2022 18h23
Quando eu me for
os pássaros continuarão a cantar e os cavalos a relinchar
e então a poeira continuará a rodopiar na estepe e o tempo não pausará tampouco esmorecerá sua realidade inquestionável
pois o porvir independerá de minha existência material
Quando eu me for não haverão trombetas a tocar nem arcanjos a cerimoniar
e os rios e mares continuarão a fluir
Quando eu me for não haverá nenhum apelo chamativo porque a mim me foi dada uma existência insignificante e mortal cujo tempo se rebelou a cariar
Cujo Senhor deu o silêncio e renúncia daquele que posterga sua própria condição de humano
Ou daquele que não se contenta com as minúcias dos fatos cotidianos e delega sua auto-satisfação à acontecimentos da ordem do acidental
e quando eu me for exumarão minha excentricidade com todo vigor
e lembrarão da tez pálida e fugaz que um dia houve embriaguez de vida e gravidez de futuro
E quando eu me for o próprio Senhor encarregar-se-à de assassinar minha existência na mente dos consanguineos e jamais serei permanentemente imortalizado
E então restará nenhum vestígio de minha outrora existência física
Quando eu me for o tempo obedecerá à uma continuidade incontingente e fria
E as estações continuarão a se dar por sucessão
E os ervaçais continuarão perpetuamente a crescer viçosos no campo
os navios atracarão nos cais e se abalroarão pelo excesso de nebulosidade temporal e impetuosidade marítima
e as andorinhas agrupar-se-ão em nome de um agenciamento coletivo
E assim me vou porque já foram convocados todos subterfúgios para um edital dos dias que ergueram o passado
E assim fui.
Escrevi esse agora.